A historia de Joana contada por ela mesma

Encontro breve com um desconhecido num eléctrico da cidade de Lisboa, no tempo do ditador Salazar.

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Tinha dezoito anos, e tinha começado a trabalhar numa loja em Lisboa. Todos os dias tomava o electrico para a baixa da cidade. Numa dessas vezes, no transporte lotado um homem encostou-se a mim e eu podia sentir-lhe a respiraçao quente perto do meu pescoço. Nao o afastei, mas saí na paragem seguinte.

Na manha seguinte encontrei-o novamente. Dessa vez não saí na minha paragem e continuei, olhando para ele. Ele olhava também para mim fixamente, e escreveu no bilhete do electrico o seu número de telefone e estendeu-mo sem palavras. Desci a tremer.

Na tarde desse dia telefonei-lhe e marcámos encontro na casa dele. Morava num prédio antigo, e nos paratamares das escadas havia pequenos bancos triangulares de madeira, para descanso de quem subia, o que era comum nos edifícios sem elevadores. Assim que me abriu a porta, abraçou-me e beijou-me à francesa. Os seus lábios eram finos e mornos e tinham um estranho sabor doce que me surpreendeu. Eu estava cheia de medo e ao mesmo tempo de desejo. Ali estava a acontecer o que via nos meus sonhos.

Eu nunca conhecera um homem, exceptuando na ocasião em que um familiar me violara aos nove anos. Apesar de os meus pais terem acreditado em mim, esse homem continuou a ser recebido no nosso lar com todas as honras. Nao, a Igreja não inventou nada, tal como no caso dos abusos sexuais por clérigos, havia uma instituição a defender – a família – e um segredo a manter para não provocar o caos. O incesto é mais comum do que se pensa.

Ele levou-me imediatamente para a cama. Eu não sabia o que fazer com aquele estranho peludo que tanto me desejava, uma espécie de habitante de um lugar distante com um comportamento diferente dos do meu círculo. Fizemos amor como doidos e a minha falta de experiência deve tê-lo impressionado. Nao acreditou que fosse a minha primeira vez.

Não passei a noite com ele, pois tive de voltar a casa. Mal dormi. Olhava-me ao espelho: “Meu Deus, que fizeste? Deves ter perdido a cabeça!” E no entanto, o facto de ter sido desejada, de ser capaz de transtornar assim um homem, dava-me uma noçao do meu próprio valor que nenhuma outra experiência de vida até ali me tinha dado. Quando adormeci, sonhei com ele: de maos dadas, voávamos como pássaros sobre a cidade, livres como eles.

No dia seguinte apressei-me para o trabalho. Pensava cheia de terror no que aconteceria a seguir: “Toda a gente vai perceber que estive com um homem!”. Era uma estranha sensaçao de culpa. Pensava que um qualquer sinal secreto (como a marca a fogo de Milady de Winter) me trairia e todos iriam descobrir que um homem me tinha tido nos seus braços. Claro que nada disso aconteceu e continuámos a encontrar-nos sempre que possível ao fim do dia.

O meu affaire continuou durante várias semanas. Nao falávamos muito, e digamos que não cheguei a conhecê-lo verdadeiramente, por isso talvez mais o imaginei. Num dos nossos encontros ele surpreendeu-me com a presença de visitas. Vários dos seus amigos estavam na sala e ele beijou-me furiosamente perante eles, creio que para mostrar que eu, a menina muitos anos mais nova, lhe pertencia. Dias mais tarde nova surpresa: confessou-me que estava noivo e iria casar em breve. Usando um pretexto insignificante, abandonei-o ao fim de mês e meio.

Fui usada? Sim, mas de certo modo todos nos usamos uns aos outros. Eu precisava de um homem e nem que fosse de uma imitaçao de amor. Mergulhei o meu espírito na confusao depois desta história? Sim, mas sempre fui confusa e sempre sonhadora. Segui em frente, chorando algumas vezes.